Ao término da
aula, foi o último a sair. Passou pela professora e jogou a régua emprestada
com toda a força sobre a mesa.
- Esdras,
quando alguém nos empresta alguma coisa, precisamos, ao entregar, de agradecer,
certo?
Ergueu e abaixou os ombros. Saiu da sala
assim. Foi. Ganhou o espaço do pátio. Caminhou
firme, passos fortes. A professora foi
atrás, observando o jeitão mal criado de erguer e abaixar os ombros várias
vezes.
E foi assim enquanto caminhava até a porta de saída, muitas vezes, ergueu e abaixou os ombros.
E foi assim enquanto caminhava até a porta de saída, muitas vezes, ergueu e abaixou os ombros.
Menino danado.
Que fazer com aquilo?
Em silêncio,
ela o seguiu. Menino danado mesmo. Agora
ia à sua frente e nos gestos demonstrava que não fazia caso.
Ela sacudiu a
cabeça; queria saber a melhor maneira de lidar com ele. Será que fizera errado? Teria sido muito
melhor ter entregue o “material”, apesar de toda a grosseria. O menino jamais
veria como um presente da professora, apenas como a mais um direito a alguma
coisa que a sociedade lhe dava. Não era justo entregar o presente daquela
forma. Ela comprara para fazer um
agrado, um carinho a eles. Não era uma coisa que ele deveria arrancar dela com
tamanha grosseria. Até entendia que era criança e queria o presente, mas não
daquela forma. Era um presente apenas.
Ainda uma vez, ergueu e abaixou os ombros... . É assim que caminha a educação! Ela riu do
próprio pensamento ambíguo, caminhando lentamente atrás do garoto.
Ele à sua
frente e ela confusa. Que poderia fazer para consertar a situação? Ele era o tipo que fazia despertar sentimentos
barrocos nela. Extremos mesmo.
O primeiro
encontro ja fora desastroso. Era uma
turminha que precisava de apoio. Mais que apoio, precisavam aprender de verdade
para serem aprovados aquele ano. Mas o Esdras era diferente dos demais.
Inteligente mesmo. Lia e compreendia os mais diversos textos. Era bom na
escrita. Não fosse as circunstancias da sala de aula em seu período normal, não
precisaria daquelas aulas no turno inverso.
- Esdras... Bonito
nome!! Você sabe a história do seu nome?
- Não, não
sei, você é que é a professora é que deve saber!
O pergunta infeliz. Sabia pouco demais a
respeito desse nome. E o pior, o menino era danado. Danado mesmo. Melhor mudar
o foco da questão.
- Eu fui infeliz na pergunta. Gostaria de saber
se a sua mãe te contou a respeito do seu nome.
- Não, não
contou nada. Conta você.
Ficou
pior. Melhor ser sincera.
- Bom, vou
pesquisar, certo? Sei pouco a respeito do seu nome... Gostei mesmo do seu nome...
Foi um olhar
questionador e terno:
- E aí me conta, professora. Agora eu também
fiquei curioso.
Depois disso,
ele se tornara amável, simpático de verdade. Chegava sorrindo. Cumprimentava. E
o melhor, a professora gostava do modo como ele aprendia. Garotinho
inteligente. Menino danado. Era bom na leitura. O primeiro a responder. As
respostas coerentes.
E agora ele
caminhava à frente da professora. E ela sentia que precisava ensinar algo mais
a ele. Outra vez, riu dela mesma. Seria ela a estranha? Como agir para também - de alguma forma - orientar as crianças. Muitas vezes, as ações falam mais alto em sala de aula, pensou.
Aquela
turminha apresentava alguns problemas
bastante graves, sobretudo, em suas linguagens. Mas o comportamento era
sobremaneira terrível. Eram totalmente inadequados. Gritavam. Falavam
palavrões. Mexiam nos pertences dos outros. Não sabiam ouvir. Falavam quase todos ao mesmo tempo. Durante
as atividades, quando um precisava de algum objeto e não tinha, solicitava
“emprestado” quase sempre de modo inusitado. Algumas vezes, ela via borracha,
lápis, apontador, régua ou, até mesmo, caderno voando pela sala.
Como isso a irritava,
resolveu conversar com a turma, a fim de que se comportassem mais príncipes e
menos ogros. Não teve sucesso e acabou combinando com eles de que iria comprar
alguns desses materiais para presenteá-los; já que não tinham o material
completo. Passou uma lista e fizeram as suas solicitações.
E lá estava o
menino cheio de querer. Era esperto, aprendia com facilidade, e queria
bastante. Queria tudo.
No dia da entrega dos presentes, não apareceu
e depois demorou em reaparecer. Assiduidade não era um compromisso dele.
Um dia, antes de entrar na sala de aula, a
professora ouviu um grito:
- Você vai entregar o meu material hoje?
Entrou e,
antes mesmo de falar com as crianças, lá estava o Esdras.
- E o meu
material, professora, esta surda agora?
- Espera aí...
Que material? – Procurou acalmar-se. Precisava disso.
Nossa! Alguns
sóis já eram passados após a entrega do presente à turma e ela tinha ali, à sua
frente, um menininho com um comportamento, no mínimo, estranho. Que que era
aquilo? As mãos na cintura, o olhar frio e a voz em tom agudo.
- Esdras,
sente-se, por favor! - Ele queria o que
lhe era de direito imediatamente e antes de tudo. – Depois falo com você.
Havia agressão
na insistente voz aguda. Não era possível que aquele menino não tinha a menor
noção do que fazia. Será que tinha o direito àquele presente? Ficou confusa. Procurou firmeza até acertar a turma.
Naquela
circunstância, eram muito felizes na leitura de um livro. Respirou fundo. Não
queria ficar brava, nem brigar com o garoto. Acertou a turma e fizeram o
círculo para a leitura.
Bom, ela não
trouxera o presente; não via o menino há algumas aulas. E depois que fizera a
distribuição do material – réguas, borrachas, lápis, apontadores - para as crianças, separara alguns para as
emergências que fatalmente se dariam ali. Não podia hesitar:
- Esdras, você
tem faltado às aulas. Eu já entreguei o material para as crianças. E o seu não
está aqui agora. Sente-se, por favor!
- Então vai
buscar o meu material agora!
Olhou em seus
olhos e tentou ainda uma vez:
- Esdras, sente-se.
Depois eu vejo isso -. Apesar de tudo, ela
conhecia bem o tom da autoridade.
Acomodou-se
contrafeito.
E quando íam
começar, eis que surge um novo problema: o menino resolvera sentar-se no fundo
da sala e debruçara sobre a carteira. Emburrou. Empacou de vez.
Continuou
firme. “ Deixem ele lá! Vamos ao texto!” Mas ele batia fortemente na carteira.
Contou até
dez. Precisava manter a calma e arrumar uma saída melhor para não perder o
controle. No fundo, tudo o que ele queria era tumultuar a aula.
Claro, a
vingança!
A única coisa
que ocorreu à professora foi propor uma brincadeira às crianças:
- Vamos fingir
que estamos lendo, não olhamos para ele. Quem sabe, assim ele para .
Durou um tempo
o barulho.
E uma irritação atacou um outro que
verdadeiramente berrou com o Esdras. Melhor assim. Ela não entregara o seu
estresse. Precisava manter-se calma.
Falou mais baixo do que de costume. Teve sorte dessa vez. Foi possível
ler e até “esqueceram” a confusão do Esdras que permanecera emburrado la no
fundo da sala.
Que fazer com
aquilo? Agradar? Buscar o material e entregar como se nada tivesse acontecido?
Escolheu fingir que não estava entendendo.
Na hora de
realizar as atividades, ele ja tinha melhorado, mas caminhou nervosinho até a mesa da professora:
- Me dá a sua régua, porque eu não tenho régua!
Ela precisava
ser persistente também, mas tentou encontrar alguma doçura na voz. Queria ensinar
alguma coisa ao Esdras.
- Empresto,
mas não se esqueça de me devolver no final da aula, por favor.
Foi o último a
sair e agora caminhava à sua frente com aqueles modos. Não falou mais nada. Tinha consciência da
atitude inadequada durante todo o tempo.
Não olhou para a professora nenhuma vez.
Era melhor
deixá-lo ir, ou seria melhor chamá-lo. Situação confusa. Ele tinha sido muito
mal educado. Falar o quê? Poderia apenas levá-lo até a sala dos professores e
entregar o material e pronto. Mas e aqueles modos?
Ela precisava
respirar e digerir aquela coisa sufocada que entrara pela boca, soava nos
ouvidos, descia pelo nariz, explodia nos olhos, corria no sangue, ferventava o
cérebro e fazia o coração bater diferente.
Queria ir
embora. Precisava pensar naquilo tudo. Melhor mesmo esquecer. Conversaria com ele depois. Naquele momento,
queria apenas ir embora. Que sutil
estresse consumia o seu corpo. Melhor seria tê-lo feito sair da sala. Manter-se
calma foi o seu erro. Às vezes, é melhor estourar. Gritar. Exigir. É difícil
manter a autoridade. Teria sido melhor se fosse autoritária...
Quando ele dobrou o último canto para a saída do
colégio, voltou-se e balançou a mão:
- Tchau,
professora!
Sorriu e acenou carinhosamente... Eita coração frágil!! Menino danado. Danado mesmo.
- Até amanha, Esdras!
- Até amanha, Esdras!
Sara Maria / Março de 2012.
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