"Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz: "Lata"
Pode estar querendo dizer o incontível
Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível
Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudonada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível
Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora."
O homem, bicho da terra tão pequeno
Chateia-se na terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a lua
Desce cauteloso na lua
Pisa na lua
Planta bandeirola na lua
Experimenta a lua
Coloniza a lua
Civiliza a lua
Humaniza a lua.
Lua humanizada: tão igual à terra.
O homem chateia-se na lua.
Vamos para marte - ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte
Pisa em marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro - diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a vênus.
O homem põe o pé em vênus,
Vê o visto - é isto?
Idem
Idem
Idem.
O homem funde a cuca se não for a júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira terra-a-terra.
O homem chega ao sol ou dá uma volta
Só para tever?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o sol, falso touro
Espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
Do solar a col-
Onizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver."
A minha família tem um costume bastante bom, mas que causa estranheza a algumas pessoas. Gostamos mesmo e muito de falar a respeito de Deus.
Primavera na Holanda - By Dayana Menck/2010
O meu pai tinha esse jeito de viver e aprendemos assim também. Como isso faz parte da nossa rotina, sempre temos alguma coisa a contar que nos aconteceu. Algo que Deus nos fez, nos deu, ou mesmo quando vemos claramente a mão Dele em nossas vidas. E, claro, é um tipo de conversa muito prazerosa, ainda que tenhamos enfrentado grandes dificuldades.
Além de tudo, em nossas vidas cumpre aquilo que esta escrito em 1º de Salmos.
Mas isso é algo bastante íntimo e familiar. Entendemos que nem todas as pessoas têm esse jeito de viver, então sabemos nos adequar.
Mas, um dia desses, a minha irmã caçula me disse assim: “esses dias vivenciei um fato que é digno de um texto”.
“Então me conta logo!”. Gosto de materiais concretos para as minhas abstrações.
E foi assim: ela foi levar as filhas para assistir a uma peça de teatro e, enquanto estavam na fila de entrada, começou a observar o vento que batia nas árvores e as folhas que delas caiam. O tempo estava bastante seco e as árvores estavam cheias de folhas secas. Achou muito lindo aquele movimento. Era como uma dança.
As folhas caiam lentamente e, nesse cair, voavam de um lado para outro em um ritmo circular de queda serena,
tranquila,
mansa...
leve...
Um perfeito ballet.
Ficou um tempo apreciando aquilo e refletiu assim: “esta escrito que nenhuma folha cai sem que haja a permissão de Deus!! Será mesmo isso verdade?? Será que Deus toma conta de tudo, até mesmo de algo tão simples como o cair das folhas das árvores?” E ficou ali a admirar tão simples e natural fato. Chegou mesmo a pensar que não precisaria mais assistir a nenhuma peça de teatro, ou show, porque,ali, de um jeito tão sublime já presenciara um.
De repente, pararam de cair as folhas... Estalou os olhos. Estalou o olhar. Fixou. Estendeu algumas vezes o seu olhar. Olhou de novo e outra vez. Estagnou.
Nenhuma folha. Chacoalhou a cabeça. Fechou e abriu os olhos. Quis muito vê-las caindo novamente. Passou o tempo. Nenhuma folha...
Quisera demais continuar assistindo ao espetáculo...
Nenhuma folha mais...
... Durante o tempo restante na fila de espera na entrada do teatro, havia o vento, as árvores e ela. Ela e a sua observação, mas folhas não mais caiam ali...
Sorriu e riu para si mesma no silencioso contemplar da natureza e,
sobretudo, da Existência Soberana e, mais ainda, firme na certeza de que
tem Esse operar em sua vida.
Voltou para casa feliz com tão breve e significativa resposta.
Quando nasci um anjo
esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar
bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda
envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar
mentir.
Não sou feia que não possa casar, acho o Rio de Janeiro uma beleza
e ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.
Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos — dor não é
amargura.
Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de
alegria, sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra
homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou."
(PRADO, Adélia. Bagagem. 32ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.
p. 9)