domingo, 31 de julho de 2011

CANSAÇO por Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

por FERNANDO PESSOA in Álvaro de Campos



Fernado Pessoa - poeta português (1888-1935) - um dos grandes nomes da literatura universal que vivenciou profundamente a questão do eu-poético. Ao construir sua extensa obra, lançou mão de um recurso que até hoje fascina os estudiosos da linguagem: ele deu nomes próprios (e biografias) a cada um dos seus eus póéticos. São várias pessoas em um Pessoa.

Isso quer dizer que além de assinar poemas com seu próprio nome, Fernando Pessoa criou vários outros "poetas", entre eles se destacam: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

O poema que vamos ler é a voz de Álvaro de Campos - uma voz do mundo moderno, urbano e industrial.



Vamos a ele?

O que há em mim é sobretudo cansaço



O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas.

Essas e o que faz falta nelas eternamente.
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço, cansaço.


Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser…


E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,

Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto…


Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo, Cansaço…



PESSOA, Fernando. Obra poética. ( Poesias de Álvaro de Campos). Rio de Janeiro: José Aguilar, 1969. p. 393-394.

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