quarta-feira, 27 de agosto de 2014

OS FILÓSOFOS VIVEM CONOSCO por Eduardo Prado de Mendonça



Hoje publico este texto para uma leitora e queridíssima  amiga Sandra (SR). 



 

 "Existe uma impressão generalizada de que o filósofo se compraz no cultivo de um modo de viver de e de pensar exóticos, que é razão para que o julguemos vivendo um tipo de vida incomum. Por isso consideramos sempre que há uma grande distância entre o modo de viver e de pensar dos filósofos e o viver dos homens em geral. Na verdade, porém, os filósofos convivem conosco.


Assim como a atmosfera em que vivemos está povoada de seres invisíveis, que aspiramos em nossa respiração, sem o saber (p. ex..: cada cm3 de ar tem milhões de moléculas de ar), a atmosfera de nossa vida de pensamentos está povoada de ideias de filósofos, que fazemos círculos, sem ter a menor consciência disto.


Propomo-nos, assim, chamar a atenção para o que efetivamente acontece: os filósofos, que julgamos muito distantes de nós, vivem conosco, ao nosso lado, e até em nós mesmos, presentes em nossos próprios pensamentos. Nós os conduzimos conosco, sem o saber.


Quantos brasileiros ignoram que o lema “Ordem e Progresso” inscrito em nossa bandeira foi tomado da filosofia positivista de Augusto Conte (1798-1857) !


Da mesma forma, passou a ser um ditado popular a expressão “Contra fatos não há argumentos”. É do próprio positivismo que retiramos este princípio.


Quando encontramos alguém que julga que a vida deva consistir no gozo dos prazeres sensíveis, aí está, sem o saber, um epicurista.


Por outro lado, se encontramos alguém que afirma que cada um tem a verdade para si mesmo, estamos diante de um relativista.


Quando alguém nos diz, por exemplo, que uma obra de arte não tem valor em si, mas vale pela impressão causada no espectador, e admite que cada um possa ter uma impressão complementa diversa sobre o mesmo objeto, ele está assumindo uma posição que, em filosofia, se chama subjetivismo.


os que julgam que a razão tem um valor absoluto, e tudo pode ser aplicado pela razão. Estes estão na linha do racionalismo.


LIVRO O MUNDO PRECISA DE FILOSOFIA EDUARDO PRADO DE MENDONÇA - LivrosPoderíamos alargar por muito tempo ainda a série de exemplos. Basta-nos, contudo, mostrar que os homens carregam consigo posições filosóficas, assumidas sem saber. Os filósofos não se afastam da vida. Eles vivem conosco, marcando a vida humana com sua presença constante. Os homens que julgam não afastar-se da vida, estes, por não se ocuparem da filosofia, estes sim podem estar afastados da realidade, pois deixam, por deficiência de concepção, de viver como poderiam e deveriam viver. "   
  
 

 (MENDONÇA, Eduardo Prado de. O mundo precisa de filosofia. Rio de Janeiro: Agir, 1968)

APONTAMENTOS SOBRE OS PRONOMES DEMONSTRATIVOS por Carlos Alberto Faraco



"ESTE OU ESSE"?? 

 Eis um texto didático, gostoso de ler e que esclarece bem as possíveis dúvidas a respeito do uso desses pronomes na hora de escrever...

Vamos ao texto??? 

"Em tese, o português, diferentemente de outras línguas, tem três e não apenas dois pronomes demonstrativos: este, esse,  aquele (e suas variantes, incluindo isto, isso, aquilo).

Em geral, as gramáticas tentam formular uma distinção entre eles, estabelecendo uma correlação com as três pessoas do discurso: usaríamos este quando o ente está próximo do falante (primeira pessoa), esse quando o ente está próximo do ouvinte (segunda pessoa) e aquele quando distante de ambos (terceira pessoa).

Na fala, contudo, essa distinção imaginada pelos gramáticos simplesmente não funciona. Na prática, operamos mesmo com um sistema de dois demonstrativos (de um lado este ou esse indiferentemente e, de outro, aquele).

Quando é necessário destacar a proximidade, usamos os advérbios aqui, ali, lá para dividir o espaço em faixas de proximidade (do mais próximo ao mais distante) e os combinamos com os dois grupos de demonstrativos. Produzimos, então, as mais diferentes expressões: este/ esse aqui, este/ esse aí, este /esse ali, aquele ali, aquele lá.

Na escrita, se observarmos com atenção, vamos ver que mesmo os grandes escritores usam este/esse indiferentemente, o que é mais um sinal inequívoco de que o sentimento linguístico dos falantes de português não faz efetiva distinção entre estes (ou esses?) dois pronomes.

Na escrita, há um certo esforço histórico de certos gramáticos no sentido de tentar tirar ainda um pouco de leite da distinção artificial que eles mesmos criaram. E há gente que leva essa regrinha muito a sério (e gosta de cobrá-las em exames de escolaridade, embora não as use tão regularmente quanto sugere... Essas – ou estas?  - estranhas coisas da vida!). Para você se defender, façamos aqui o registro das ditas regrinhas.

Dizem os gramáticos que (regra 1) quando o demonstrativo está apontando para  um elemento já mencionado no texto, usa-se esse; quando aponta para um elemento que vai ser mencionado usa-se este. Assim, vejamos estes (ou esses?)  exemplos:

“Somos seres de linguagem, constituídos e vivendo um complexo feixe de relações socioverbais. Esse conceito nos leva a entender que ensinar português é, fundamentalmente, oferecer aos educandos oportunidades de amadurecer e ampliar o domínio que eles já têm das práticas de linguagem. O fato é este: em língua materna, obviamente, nunca parte do zero.”

Até aí a coisa vai. Mas: e quando há dois antecedentes no texto?

Bem, os gramáticos inventaram, então, que (regra 2) devemos usar este para o mais próximo e aquele para o mais distante. Veja este exemplo: “Ele comparou, em seu artigo, a imagem pública de Fernando Collor com a de Fernando Henrique: este como exemplo de austeridade e aquele como modelo de corrupção”.

Note que, nesse caso, o emprego de este contraria a primeira regra. De qualquer forma, como é inútil perder o sono por isso, é interessante gravar essas duas regrinhas, tendo, porém, clareza da grande flutuação de este/esse mesmo nos textos escritos mais cuidados."



In: 



(FARACO, Carlos Alberto. Português: língua e cultura. Curitiba/PR: Base Editora, 2005, p. 55)