terça-feira, 20 de maio de 2014

CARTA-TESTAMENTO por Getúlio Vargas





"Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim.



Não me acusam, me insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive que renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário-mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.



Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.



Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício nos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta.



Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate.




Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia, não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história."  (24 de agosto de 1954) 







 Getúlio Vargas  (1882-1954) 


Presidente da República - Brasil -

Período:  1º governo: 1930 a 1945. Marcado pela 
Ditadura de Estado Novo: 1937 a 1945. 
Eleito em 1950. Toma posse em 1951. Fica no poder até  24 de agosto 1954. 









Sugestão leitura:

Filme












    

Livro: 

quinta-feira, 15 de maio de 2014

PARA NÃO DEIXAR DE AMAR-TE NUNCA por Pablo Neruda


Hoje, mais uma vez, publico Neruda. 

E esta publicação tem um destino especial: o coração de uma pessoa linda!!

Ex aluna, agora companheirinha deste blogger e minha sempre amiga:  Sandra!!!

E para os meus leitores, uma deliciosa "dica" de leitura, não minha, mas da Sandra!


Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem a sua metade de frio.

Amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.

Amo-te e não te amo como se tivesse
nas minhas mãos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.

O meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.
 




Pablo Neruda 

terça-feira, 13 de maio de 2014

NÃO TE AMO COMO SE FOSSES... por Pablo Neruda

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas obscuras,
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho. [...]



NERUDA, Pablo. Cem sonetos de amor. Tradução de Carlos Nejar. Porto Alegre: L&PM, 1998. p. 12 (fragmento)

quarta-feira, 7 de maio de 2014

ANOITECER por Raimundo Correia



Esbraseia o Ocidente na agonia
 O Sol... Aves em bandos destacados,
 Por céus de oiro e de púrpura raiados,
 Fogem... Fecha-se a pálpebra do dia...

Delineiam-se, além, da serrania
 Os vértices de chama aureolados,
 E em tudo, em torno, esbatem derramados
 Uns tons suaves de melancolia...
Arquivo SMMS/2014
Um mundo de vapores no ar flutua...
 Como uma informe nódoa, avulta e cresce
 A sombra à proporção que a luz recua...

A natureza apática esmaece...
 Pouco a pouco, entre as árvores, a lua
 Surge trêmula, trêmula... Anoitece.






Referência
 
CORREIA, Raimundo. In:  Antologia dos poetas brasileiros: fase parnasiana. BANDEIRA, Manuel. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 158.