sexta-feira, 27 de maio de 2011

A PALAVRA QUERIDA por Sara Menck

Gosto de analisar e estudar a respeito das palavras. Entendo que quanto ao fato de serem bonitas, feias, neutras, isso depende da percepção de cada um.  Mas o fato é que algumas palavras nos soam mais adequadas e acertadas tanto na interação como falante/ouvinte quanto como escritor/leitor.

Vejo que eu tenho um gosto especial por algumas palavras. Amo, por exemplo, a palavra “querida”.  Tanto gosto de ouvi-la quando de proferi-la. Agora, se eu for ao dicionário, posso encontrar uma definição dela como: uma palavra feminina; particípio passado do verbo querer;  feminino singular de querido. E querido é um adjetivo que pode significar caro, prezado, favorito.

Assim, querida, ou querido é alguém que nos é muito caro, ou bastante amado. Enfim, é alguém que nos faz bem. É aquele que nos acalma.  Aconchega.  Aceita. De certo modo, é alguém que se mostra a outrem de um jeito especial para ser honrado com um tratamento nobre.

Quando chamamos alguém de querida, ou querido, é porque esse alguém  se tornou, para nós, digno desse tratamento. Faz soar bem para quem diz, e é doce e bom e suave para quem recebe.

Bom, o que eu quero realmente dizer, além de registrar aqui o meu gosto pela palavra “querida”,  é que  é, sim, interessante  conhecer os significados das palavras e é, muitas vezes, necessário consultar o dicionário para compreender melhor o texto. Apesar disso, o melhor mesmo é perceber o significado da palavra dentro do texto, no contexto do dizer mais profundo de quem diz.

Olha só a palavra querida, no texto de Machado de Assis intitulado “À Carolina”.
Mas antes, vamos ver o contexto:
Vamos lembrar que Joaquim Maria Machado de Assis foi cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta. Nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839. Filho de um operário mestiço de negro e português, Francisco José de Assis, e de D. Maria Leopoldina Machado de Assis. Era pobre e descendente de negro e tornou-se o maior escritor do país. Um grande mestre da língua portuguesa.
  
Teve uma saúde frágil, era epilético, gago, e pouco se sabe a respeito de sua infância e início da juventude. Foi criado no morro do Livramento e não teve acesso à cursos regulares, mas empenhou-se em aprender. Foi autodidata e deixou significativa e vasta obra literária. Foi casado com D. Carolina Xavier. Um casamento feliz que durou 35 anos.
De acordo com alguns crítícos, Machado era "urbano, aristocrata, cosmopolita, reservado e cínico”. " A galeria de tipos e personagens que criou revela o autor como um mestre da observação psicológica". E em suas obras,  encontramos, muitas vezes, ironias.

Mas, no poema “À Carolina”, pode-se perceber uma grande verdade do escritor: o  amor e a saudade da velha e querida companheira.


Vejo que, nesse texto, a palavra querida é usada com um significado deveras carinhoso pelo escritor que realmente amara Dona Carolina Xavier.



"À CAROLINA

Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos."
[Carolina[3].jpg]

Machado de Assis


terça-feira, 24 de maio de 2011

"Advertência" por Helena Kolody


"É meio-dia em minha vida.

Um mensageiro inesperado

Vem prevenir que apresse a lida,

Como se fosse anoitecer.

Vento da noite, ainda é cedo!
... e nem lavrei a terra agreste."

(Helena Kolody)


domingo, 22 de maio de 2011

O correr da vida!! - textos de Helena Kolody, Cecília Meireles, Fernando Pessoa e João Guimarães Rosa

                             

Esta semana completo mais um ano de existência neste mundo.

Vi o tempo escorregar por minhas mãos. Quisera segurá-lo ainda um pouco apenas... Vai  rápido demais...

Hoje vejo que, se por um lado,  vivi bons encontros, por outro, ja sofri  despedidas doídas... 


 E assim, também por isso, de repente, não mais que de repente, vejo-me diferente...


                                        ....................................................................................


Vejam só como alguns pensadores retrataram essa questão do refletir acerca da existência.


"RETRATO ANTIGO

Quem é essa
que me olha
de tão longe,
com olhos que foram meus?





"RETRATO

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.


Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?"




"Temos, todos que vivemos
uma vida que é vivida,
E outra que é pensada
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada"




"O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria, 
aperta e daí afrouxa, 
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem".

segunda-feira, 16 de maio de 2011

"LIVRO: a troca" por Lygia Bojunga Nunes


Já li alguns textos que tratam acerca da leitura, já que isso faz parte do meu trabalho, de alguns estudos, pesquisas realizadas e,  acima de tudo,  desse desejo de incentivar os meus educandos a lerem mais, mas -  nunca, jamais -  encontrei alguém que falasse tão alto a esse respeito como em Lygia Bojunga Nunes no poema: Livro: a troca

 Vamos ao texto???



LIVRO: a troca



Pra mim, livro é vida; desde muito pequena os livros me deram casa e comida.

Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé fazia parede; deitado, fazia degrau de escada;

inclinado, encostava num outro e fazia telhado.


E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro.


De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar prás paredes).
Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras.


Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.
Mas fui pegando intimidade com as palavras.
E quanto mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir novas casas.
Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação.
Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia;
e de barriga assim cheia me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu,
era só escolher e pronto, o livro me dava.
Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que
- no meu jeito de ver as coisas -


é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava.
Mas como a gente tem mania de sempre querer mais,


eu cismei de um dia alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra - em algum lugar -


uma criança juntar com outros e levantar a casa onde ela vai morar.


Lygia Bojunga Nunes.






Sugestão de leitura:

Entre os livros dessa autora, podemos encontrar:


sábado, 7 de maio de 2011

"A minha mãe" por Sara Menck



A MINHA MÃE
fotografia de  MENCK, Filipe. In: http://polissemia.tumblr.com/ 

Hoje preciso falar da minha mãe. É uma mulher um tanto pequena, do olhar ativo e verde. É bem bonita.  Não tem formação acadêmica, mas, ao longo da vida, encontrou um jeito de buscar em Deus sabedoria para edificar o seu lar. E assim tem sido. Posso dizer, com segurança, que a minha mãe é uma mulher comum, humilde e sábia...

Com ela, aprendi, também, gostar de poemas.  Nunca esqueci do saudosismo de Casimiro de Abreu  - “Meus oitos anos" - recitado por mamãe, apesar de  que  não sabia  o poema todo.  Olha só um trecho dele:

Meus oito anos


Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!


Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!


Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!


Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minhã irmã!
[...]

 ... Sempre fui muito “chorona”... E, algumas vezes, quando eu chorava, minha mãe recitava um poema (desconheço a autoria), do qual  ainda gosto muito...

Jamais esquecerei dele... 

 E o poema diz assim:

“Se eu pudesse
Se Papai do Céu me desse
 uma asa pra voar
 eu corria a natureza
e acabava com a tristeza
 só pra não te ver chorar”


E havia  uma pequena, singela  e  significativa oração:

"Agora me deito para dormir
guarda, Meu Deus, em Teu amor
Se eu morrer
Se eu acordar
Recebe minha alma
Amém"


E havia uma cantiga... É bastante triste, porque faz parte de muitas realidades.   Já pesquisei, mas não encontrei nenhum registro dela. Vejo que para homenagear mamãe, vale a pena registrá-la aqui.

É assim:

Minha mãe
Já esta velhinha
Mora só em sua casinha.
Casa onde eu nasci
Eu e outros meus maninhos
Onde nos criamos ali.
Mas o tempo foi passando
como ali se transformou
Uns morreram
Outros casaram
Outros dali se mudaram
Só minha mãe que ficou.
No pomar, tinha arvoredos
Cada qual os seus brinquedos
E no galho mais arcado
Nós vivíamos pendurados
Sempre alegres a cantar.
Adeus infância querida
Adeus sonhos maternais
Cada passo nesta vida
Nos separa sempre mais.


Bom, isso é um pouquinho da minha grande mãe...



Então, como já falei dela, acredito que agora podemos ler Vinicius de Moares e ver o modo do poeta  abraçar, sentir e registrar a  angustia e as  aflições do seu momento no poema intitulado  ' MINHA MÃE' .

 É lindo, compensa a leitura!!   Vamos a ele,

Minha mãe

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.

Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.

Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.

Repousa a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora.  Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode

Dá-me um beijo na fonte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.

Aninha-me em teu colo como outrora
Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.

Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.

Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão. que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.

Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Dize que eu fique

Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe.

MORAES, VINICIUS DE.  Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro:Nova Aguilar , 1998. pág. 186.








sexta-feira, 6 de maio de 2011

CARTA por Carlos Drummond de Andrade

   CARTA

Há muito tempo, sim, não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelhecí: olha em relevo
estes sinais em mim, não das carícias

(tão leves) que fazias no meu rosto:
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que a sol-posto
perde a sabedoria das crianças.


A falta que me fazes não é tanto
à hora de dormir, quando dizias
"Deus te abençoe", e a noite abria em sonho.


É quando, ao despertar, revejo a um canto
a noite acumulada de meus dias,
    e sinto que estou vivo, e que não sonho.


Referência:

ANDRADE. Carlos Drummond de.  Poesia e prosa.  Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988.




quarta-feira, 4 de maio de 2011

"OS TEMPOS DO SER MÃE" por Sara Menck




Há um tempo em que ela sonha.
Chora, 
tece 
e espera.
  


                                                        
     
Há um tempo em que ela desperta
Chora, 
aquece,
 amamenta 
e dorme.






Há um tempo em que ela ensina,
Chora, 
leva,
 busca,
ajuda
e conforta.




Há um tempo em que ela questiona.
Chora,
 sacode,
 encanta 
e desencanta.




Há um tempo em que ela fica.
Chora, 
espera
 e adormece.



Há um tempo em que ela doa.  
Chora,
 entrega, 
e consola-se.


Há um tempo em que ela espera.
Chora, 
chama,
 e conforta-se.


Há um tempo em que ela cansa.
Chora... 
e envelhece...


Há um tempo que ela descansa.
Choram. 
Despedem. 
E confortam-se.



Sara  Menck  / maio/2011
....................................................................