quinta-feira, 22 de setembro de 2011

CANÇÃO AMIGA por Carlos Drummond de Andrade




"Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.




Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me veem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.



Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.


Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.
 

Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças."



ANDRADE, Carlos Drummond de. Drummond de Andrade - obra completa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967. p. 221.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

"MUDAM-SE OS TEMPOS MUDAM-SE AS VONTADES" por Luiz Vaz de Camões



Um pensador grego – Heráclito – já disse que ninguém pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, porque as águas serão sempre outras.  Para esse pensador, o mundo é uma eterna guerra cheia de contradições e mudanças.

 No soneto, abaixo, de Luiz Vaz de Camões -  poeta clássico português - podemos reconhecer a instabilidade do mundo à moda camoniana.

Vamos ao texto!


"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía. "  


                            soía: costumava




Luiz Vaz de Camões/Classicismo.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

QUERO por Carlos Drummond de Andrade



"Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.



Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?



Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.



Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.



Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.


No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.


Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor."


(Carlos Drummond de Andrade)